Justiça de SP suspende lei que institui programa das escolas cívico-militares no estado

O Tribunal de Justiça do estado de São Paulo suspendeu a lei das escolas cívico-militares no estado. A lei foi criada e sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O desembargador Figueiredo Gonçalves argumentou que “é certo que se suscitam sérias controversas acerca da constitucionalidade desse programa, o que não recomenda sua implementação desde já, antes de decisão final acerca do tema”. A Secretaria da Educação afirmou, por meio de nota, que ainda não foi notificada da decisão.

A decisão foi em resposta a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada pela Apeoesp (Sindicato dos professores da rede estadual de São Paulo).

Gonçalves disse ainda que agora cabe ao Superior Tribunal Federal (STF) decidir se o programa é inconstitucional ou não. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre a lei foi proposta pelo Partido Socialista e Liberdade (PSOL) em maio deste ano.

“Ofato concreto é a suspensão do programa e se deve à ação proposta pela APEOESP no TJ de São Paulo, uma vez que a ADIN 7662 ainda está pendente de futuro julgamento e naquela demanda não foi concedida qualquer liminar. O Governo do Estado de São Paulo não pode seguir com o programa por determinação do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo”, diz a Apeoesp.

Na Adin que corre no STF, o PSOL argumenta que o objetivo do governo é substituir o sistema público de educação, e não a coexistência dos dois modelos.

“Por essa razão, cabe ao Supremo Tribunal Federal, originariamente, decidir sobre eventual inconstitucionalidade ou constitucionalidade, na ação perante ele ajuizada, tal como se objetiva nesta ADI estadual”, afirmou Figueiredo.

Em nota, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) considerou uma grande vitória a decisão.

“O modelo de escola militar não resolverá os imensos desafios da educação. Enquanto o foco para o aprimoramento deve ser a valorização dos professores, o investimento em infraestrutura e até a compra de itens básicos, o governo de São Paulo direciona sua atenção a um projeto que não tem qualquer fundamento para garantia na qualidade do ensino oferecido ou um clima de aprendizado saudável”, diz a nota.

Texto aprovado em maio

O texto, de autoria do governador Tarcísio Freitas (Republicanos), foi aprovado em 21 de maio pelos deputados da Assembleia Legislativa. O PL recebeu 54 votos a favor e 21 contra em uma sessão marcada pela agressão e detenção de estudantes que protestavam contra a votação.

A proposta é também bastante criticada por especialistas na área da educação, mas segue defendida por aliados da gestão de Tarcísio. Dentre eles, o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Em entrevista à rádio CBN, Nunes disse ser a favor de tal projeto na rede municipal da capital paulista.

Desde a sanção, escolas estaduais que vem manifestante interesse estão realizando audiências públicas para definirem se irão aprovar as mudanças. Até 1º de agosto, 300 escolas já tinham feito audiências.

AGU diz que é inconstitucional

A Advocacia-Geral da União (AGU) classificou como inconstitucional o modelo de escola cívico-militar que o Governo de São Paulo pretende implementar no território paulista. A manifestação foi enviada para análise do Supremo Tribunal Federal (STF).

Seguindo o rito usual, o ministro Gilmar Mendes, do STF, havia solicitado um parecer da AGU numa Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre a lei que autoriza esse modelo híbrido de ensino em São Paulo.

A ação foi proposta pelo Partido Socialista e Liberdade (PSOL) após a sanção da norma pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), em maio deste ano. Na Adin, o PSOL argumenta que o objetivo do governo é substituir o sistema público de educação, e não a coexistência dos dois modelos.

Para Flavio José Roman, Advogado-Geral da União substituto, existem incompatibilidades entre a lei estadual e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que rege o ensino brasileiro nos níveis federal, estadual e municipal.

“Ao analisar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Lei que instituiu o Plano Nacional de Educação 2014-2024, constata-se a ausência de qualquer menção ou estratégia que inclua a polícia militar como participante dos esforços de política educacional na educação básica regular”, afirmou em sua manifestação.

No início de junho, o Ministério Público Federal (MPF) enviou uma representação para o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, na qual também afirmava ser inconstitucional a lei em questão.

O procurador federal Nicolao Dino sustentou os seguintes pontos no documento:

  • Escopo legislativo — cabe à União legislar sobre normas relacionadas às diretrizes e bases da educação nacional. Portanto, o Legislativo estadual não tem competência para regulamentar a implantação do modelo cívico-militar no estado;
  • Formação e concurso — seleção de militares da reserva para exercerem funções pedagógicas sem a exigência de formação específica ou aprovação em concurso público, como previsto na lei recém-aprovada em São Paulo, afronta o princípio constitucional de valorização dos profissionais de educação;
  • Desvio de função — a Constituição restringe a atividade policial ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública. Logo, designar militares para exercerem funções pedagógicas seria enquadrado como desvio de função da força militar;
  • Efetividade atestada — a falta de evidências científicas ou estudos conclusivos que atestem que o modelo cívico-militar implique na melhora no comportamento dos alunos e na qualidade do ensino;

Nicolao Dino ressaltou ainda que a adoção do modelo proposto abre caminho para a infração do princípio da gestão democrática do ensino público, uma vez que permitiria a adoção de orientações próprias da formação militar, reduzindo o espaço para diálogo e exercício do senso crítico no ambiente escolar.

Os mesmos pontos foram levantados pelo PSOL na petição da Ação Direta de Inconstitucionalidade e sustentados pelo advogado-geral da União.

Com a manifestação do Governo de São Paulo, que alega a constitucionalidade do projeto, e da AGU, a ação ainda precisa do parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), somente então deverá ser enviada para votação em Plenário, uma vez que Gilmar Mendes definiu que a pauta tem relevância e não tomará decisão de forma monocrática.

Inconstitucional?

Em carta de defesa da proposta enviada ao governador, o secretário da Educação, Renato Feder, explicou que as comunidades escolares irão optar por participar ou não do programa e serão priorizadas as instituições “situadas em regiões de maior incidência de criminalidade”.

Os policiais que devem trabalhar nas escolas são aposentados e atuarão desarmados.

Em abril, no entanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) disse, em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o modelo de escolas cívico-militares do Paraná é inconstitucional.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, lembra que o programa das escolas cívico-militares foi revisto pelo governo federal após “incongruências com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e com o Plano Nacional de Educação”.

Entenda o projeto

O que muda no dia a dia dos alunos e professores

O modelo proposto mescla a presença de militares – que cuidarão da disciplina dos alunos – e de profissionais da educação – que serão responsáveis pelo conteúdo passado nas salas de aula.

“Cada escola aderente ao Programa Escola Cívico Militar contará com pelo menos um militar da reserva, que estará subordinado ao Diretor Pedagógico da unidade escolar, e sua atuação será restrita ao projeto de valor do Programa Escola Cívico-Militar”, diz a carta enviada por Feder.

Além disso, como apontado pelo secretário, os valores das escolas serão semelhantes aos das organizações militares.

“…o modelo é voltado para as práticas pedagógicas onde os estudantes são estimulados a cultivar o respeito à pátria, aos símbolos nacionais e aos direitos e deveres de cidadania. Além disso, são incentivados a desenvolver habilidades de liderança, trabalho em equipe e responsabilidade social, preparando-os para serem cidadãos conscientes e atuantes na sociedade”, afirma.

De acordo com o projeto de lei redigido por Tarcísio, as atividades extracurriculares desses colégios serão de responsabilidade dos militares e serão formuladas pela colaboração da Secretaria da Educação (Seduc) com a Secretaria da Segurança Pública (SSP) seguindo as seguintes diretrizes: “valores cidadãos, como civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito” e “habilidades que preparem o aluno para o exercício consciente da cidadania”.

Quais escolas vão participar

Os colégios municipais e estaduais de ensino fundamental, médio e de educação profissional podem participar do programa voluntariamente. O projeto é destinado exclusivamente às escolas públicas.

Segundo o texto aprovado pela Alesp, os critérios para a seleção das instituições de ensino participantes são:

  • a aprovação da comunidade escolar;
  • índice de vulnerabilidade social;
  • índices de fluxo escolar;
  • índices de rendimento escolar.

Além disso, a escola que deseja participar não pode:

  • ter aulas no período noturno;
  • ser uma instituição rural, indígena, quilombola ou conveniada;
  • ter gestão compartilhada entre Estado e municípios;
  • ter, exclusivamente, ensino para jovens e adultos;
  • ser a única unidade escolar da rede pública de ensino que oferte ensino fundamental e médio regular na zona urbana do respectivo município.

Responsabilidades da Seduc e das secretarias municipais da educação

Ainda segundo o projeto de lei, estão entre os deveres das pastas educacionais:

  • apoiar financeiramente a execução e a implementação do Programa;
  • selecionar as escolas participantes (levando em consideração a vontade da comunidade escolar);
  • conscientizar a população sobre “a importância da implementação das Escolas Cívico-Militares”;
  • prestar apoio técnico e financeiro aos colégios participantes;
  • ofertar conhecimento adicional para os profissionais das instituições;
  • monitorar e avaliar as escolas participantes do programa;
  • realizar o processo seletivo dos policiais militares que irão atuar como monitores (para isso, devem consultar a SSP);
  • definir as diretrizes pedagógicas e a orientação das escolas do programa;
  • decidir quanto às demissões dos profissionais que atuarão nos colégios;
  • compra de uniformes para os funcionários.

Responsabilidades da Secretaria da Segurança no projeto

  • acompanhamento e avaliação do cumprimento dos deveres dos monitores;
  • fornecer informações sobre o comportamento dos monitores e possíveis processos criminais e administrativos em que eles estejam envolvidos;
  • apoiar tecnicamente o trabalho das secretarias municipais e da Secretaria da Educação.

Responsabilidades das escolas no projeto

É de dever das instituições de ensino participantes:

  • implementar o Programa Escola Cívico-Militar de acordo com as normas propostas pela Seduc e garantir as condições para isso;
  • garantir a qualidade do processo educacional;
  • prestar informações à Diretoria de Ensino e Secretaria de Educação sobre a execução do programa;
  • se certificar de que os princípios éticos respeito aos direitos humanos, a proteção à dignidade humana, o zelo pelos direitos fundamentais de toda a comunidade escolar e o respeito à diversidade não estão sendo feridos.

Críticas ao modelo e disparidade de remuneração

Organizações sociais de defesa da educação são contrárias à participação militar nas escolas.

Um dos pontos criticados é a diferença na remuneração entre os profissionais da segurança e da educação: o militar vai receber além do que recebe do exército, 2.5 Unidades Básicas de Valor (UBV) por oito horas trabalhadas. O que totaliza R$ 5.692,50 por mês.

Se ele trabalhar 40 horas semanais, que é o máximo permitido, em 20 dias vai receber mais do que o salário médio de um professor, só pela participação na escola – montante pago pela Secretaria da Educação.

O pagamento será feito pela SSP, mas os recursos serão enviados pela Secretaria da Educação. O piso do professor, da rede estadual com jornada de 40 horas semanais, é de R$ 5.300.

Outro ponto levantado por especialistas é sobre o enrijecimento e a militarização do projeto educacional.

“Minha principal crítica é a descaracterização das instituições escolares a partir da militarização. Essa escola tira o seu caráter de escola pública, de escola que atende a todos os públicos, de uma escola que segue princípios universais e se torna uma escola que vai funcionar a partir dos princípios da área de segurança, que são opostos à área da educação”, afirma Catarina de Almeida Santos, professora da UnB e integrante da rede campanha nacional pelo direito à educação.

“Área da educação está ali no princípio da liberdade de ensinar e aprender, da diversidade, a área da segurança vai trabalhar com princípio da hierarquização, da obediência e não da construção de diálogo”, complementa Catarina.

Priscila Cruz, presidente-executiva da Todos Pela Educação, também aponta os principais problemas do modelo:

  • Ideia de que escolas cívico-militares são melhores é equívoco;
  • Custam mais por aluno;
  • Fazem seleção por nível socioeconômico maior;
  • Disciplina é baseada nos valores militares e não na melhoria da gestão das escolas.

Claudia Costin, especialista em educação da FGV, alerta para o risco de robotizar alunos e diz que modelo não faz sentido em tempos de Inteligência Artificial. E ainda aponta:

  • Não é disciplina que leva ao engajamento;
  • Melhores exemplos no Brasil são de escolas civis em Pernambuco, que têm funcionamento integral e engajamento de alunos e professores

Questionado, o governo respondeu apenas que está buscando dar à sociedade mais uma opção para que ela escolha qual a melhor escola para seus filhos.

“É um processo que vai passar por uma consultada escolar. Tudo isso será discutido para ter uma relação mais harmoniosa possível”.

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